sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Dossiê das rebeliões Coloniais - Parte 1: Gente Indomável

Há algum tempo a historiografia abandonou a crença de que tenha existido, durante a Época Moderna, um efetivo “poder absoluto” exercido pelos reis. Se associarmos aquele tempo que se estende entre os séculos XV e XVIII – quando se consolidaram os Estados com seus corpos burocráticos e seus exércitos permanentes – à centralização política irresistível que em geral deduzimos elo tendo “absolutismo”, estaremos muito longe ele uma ideia razoável sobre as formas de ação política dos nossos antepassados coloniais.

Se nem mesmo Luís XIV da França, o Rei Sol, tinha todo o poder para si de forma incontestável, o que garantiria o domínio inegociável dos monarcas de Portugal sobre seus súditos no ultramar?
Do início ao fim do penado colonial, o que se viu foi uma contínua busca por manutenção de soberania – na América portuguesa, do século XVI ao XIX, de norte a sul, colonizadores, colonizados e agentes do poder real foram protagonistas de uma sucesso de conflitos que deixam bem clara a distância que separava o desejo metropolitano e a realidade do exercício do poder na colônia.

Desde os tempos mais primevos, a soberania portuguesa precisou se entender com as necessidades locais criadas pelo esforço de colonização. Um caso evidente de desordem interna a colocar em risco a ação do poder metropolitano aconteceu quando Pero do Campo Tourinho, donatário de Porto Seguro a partir de 1534, caiu na malha da Inquisição.

Disposto a auferir a qualquer custo os prometidos lucros que atraíam seus conterrâneos para o além-mar, espremido por grupos indígenas e piratas franceses, Tourinho arregimentou inimigos e colocou em risco o edifício colonial logo durante o início da sua construção. Tido como desbocado, violento e imoral, ao exercer o que acreditava serem as suas prerrogativas, ele instaurou a cizânia entre os colonos. Nos documentos da Inquisição, testemunhas – ou conspiradores – desfiaram um longo rosário de atitudes que demonstravam o quanto Tourinho estava disposto a renunciar às regras que imperavam no governo português na época para atender aos seus interesses: teria dito que trabalhava sem a ajuda de Deus, acusado o papa de agir por dinheiro, ofendido autoridades clericais, espancado um padre. Mais do que demonstrações de anticlericalismo, o donatário acabou despertando a fúria dos colonos contra a sua autoridade aparentemente sem limites, inclusive a de um dos seus filhos, André do Campo, um dos conspiradores.

Tourinho foi preso e enviado para Lisboa, onde enfrentou um processo por blasfêmia. Em depoimento prestado em 1547, relatou as dificuldades que enfrentou para dar início à colonização e chamou seus acusadores de preguiçosos e corruptos. Apesar de inocentado da acusação, Tourinho foi proibido de retornar ao Brasil – na prática, uma vitória dos conspiradores.

Ao longo do século XVI e no início do seguinte, ficaria cada vez mais clara para as autoridades metropolitanas a necessidade de um controle mais efetivo sobre essas populações progressivamente indomáveis que se formavam ao sabor das necessidades e à margem da ordem nas colônias – a posse dos territórios não estava se convertendo em vantagem econômica para as cabeças coroadas na Europa.

Por outro lado, seria justamente na virada do século XVI para o XVII que os colonos de origem ibérica, agora em número maior e com interesses cada vez mais enraizados, desenvolveriam uma percepção muito particular da vida política.

Os acontecimentos europeus, assim como toda a discussão que se travou por conta da União Ibérica entre 1580 e 1640, finalizada com uma rebelião contra o rei espanhol, motivaram um longo e complexo debate sobre a origem e a finalidade do poder político, recuperando teses medievais sobre a relação entre príncipes e súditos.

Os jesuítas ibéricos, envolvidos até o pescoço na vida intelectual e no ensino em Portugal, na Espanha e em seus domínios, expunham suas teses que, ao fim, chegaram a difundir a ideia de que os súditos tinham o direito de se levantar contra as injustiças dos governantes – a palavra “tirania” se tornaria muito comum nos mais variados protestos que tiveram o espaço colonial como palco.

A contradição básica, por fim, se estabeleceu. A Coroa portuguesa precisava entrar no circuito do “excedente colonial” (o lucro com a exploração dos produtos americanos), fosse estabelecendo privilégios comerciais, regulando preços, fosse exercendo pressão fiscal; os súditos, por sua vez, enfrentavam as agruras da vida na América, faziam empréstimos, entravam em operações de risco e esperavam receber de uma longínqua Coroa o reconhecimento por seus esforços e mesmo o respeito pelo “bem comum” na colônia.

A partir do século XVII, essas tensões assumiram diversas formas, raramente em um conflito explícito contra a soberania portuguesa, quase sempre preservada (pelo menos no discurso). O que se via, em geral, além das revoltas ou outras formas de resistência dos escravos contra a sua condição, eram protestos de colonos contra o exercício do poder por parte dos operadores do poder régio na colônia. A fórmula “viva o rei, morra o mau governo” foi a que predominou no período, reiterando a ordem monárquica, mas lembrando os anseios de grupos locais.

Mais do que mero reflexo das relações metrópole-colônia, as populações da América portuguesa eram formações complexas e dinâmicas, com disputas no seu seio, tensões econômicas, religiosas e políticas. As diversas formas de coexistência entre os interesses internos e externos tiveram que se ajustar e reajustar durante um período de quase 300 anos, entre grupos às vezes muito dependentes uns dos outros e outras vezes isolados ou opostos entre si. Não faltam exemplos de ocasiões nas quais habitantes do Brasil antigo se levantaram, não poucas vezes de forma violenta, por aquilo que julgavam ser certo.
Este artigo foi publicado também na Revista História da Biblioteca Nacional, Edição de Dezembro de 2013.
Texto de Rodrigo Elias

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Série Histórica - Guerra de Canudos Parte 3: O Conselheiro e a República

Dois acontecimentos, mudaram o rumo da história do Brasil no fim do século XIX. Os dois fatos pesaram no destino de Antônio Conselheiro e seus adeptos.

O primeiro, foi o fim da escravidão, com a assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888. O segundo foi a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889.

A abolição foi a conclusão do sistema escravista, que teve inicio na colonização portuguesa em 1532. Com o fim do tráfico internacional de escravos ( proibido em 1850 ), disparou o preço de trabalhadores escravizados. A população servil não se reproduzia, muito menos se expandia, por causa das difíceis condições de vida e de trabalho. Desde os meados do século XIX, escravos passaram a ser vendidos do Sul, Oeste e Nordeste, para as fazendas cafeicultoras do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.

Imigrantes europeus foram trazidos a partir de 1880, para trabalhar como colonos na produção cafeicultora. No Nordeste, a mão escrava foi mantida até os últimos momentos da monarquia, apesar de governantes e proprietários terem tentado alternativas para substituir os escravos.

Sobretudo na Bahia, havia preocupação com a escassez de mão-de-obra. Além da crise gerada pela abolição, as secas, a fome e o monopólio de terras, causavam um decréscimo de população potencialmente trabalhadora. A posse latifundiária da terra era um freio ao desenvolvimento de uma economia camponesa autônoma. Isso causava uma intensa migração de sertanejos para Salvador ou para o eixo Rio-São Paulo.

O governo baiano incentivava sem obter sucesso a contratação de chineses, japoneses e europeus. Algumas colônias de alemães, suíços e irlandeses foram criadas no início do século, mas não prosperaram. Em 1859, a experiência com imigrantes italianos fracassou igualmente. Vantagens oferecidas a imigrantes dispostos a fundar núcleos coloniais não saiam do papel.

As tentativas da elite rural baiana em introduzir mão-de-obra estrangeira, demonstra o preconceito que existia em relação ao homem sertanejo, uma vez que apesar das dificuldades sociais e de vida, ainda representava um grande contingente populacional.

A população sertaneja pode ter visto a libertação da população escravizada como uma vontade da família imperial, o que fortaleceu a visão popular do imperador como "pai dos desvalidos". A população sertaneja não conseguia perceber a ligação entre a ordem escravista e a ordem monárquica.

Antônio Conselheiro era partidário das ideias abolicionistas. Um escravo fugitivo foi encontrado entre seus seguidores quando de sua prisão em 1876. Em suas Prédicas, redigidas mais tarde, ele apresentaria a abolição como um ato da vontade divina, realizada por um ato imperial.

"Quantos morreram debaixo do açoite por faltas que cometiam!
Alguns quase nus, oprimidos de fome e de pesado trabalho!
E que direis daqueles que não suportavam com paciência tanta crueldade 
e no furor ou no excesso de sua infeliz estrela se matavam!
Chegou enfim o dia em que tinha Deus de pôr termo a tanta crueldade,
movido da compaixão a favor de Seu povo
e ordena a libertação de tão penosa escravidão."

Declarações de Conselheiro, demonstravam o caráter de sua pregação e de suas convicções políticas. elas se encontravam em concordância com amplas correntes do pensamento religioso e social de sua época.

"{..} Dona Isabel libertou a escravidão,
que não fez mais do que cumprir a ordem do céu;
porque era chegado o tempo marcado por Deus
para libertar esse povo de semelhante estado;
o mais degradante a que podia ser reduzido
o ente humano {..}."

A promulgação da extinção do trabalho escravo desestabilizou o regime monárquico. Abandonado pelos últimos partidários, ligados aos fazendeiros escravocratas, o sistema chegou ao seu fim.

A substituição do falido sistema monárquico pelo republicano nasceu de um compromisso entre líderes civis e militares. Nomes como Aristides Lobo, Aníbal Falcão, Lopes Trovão, Quintino Bocaiúva, José do Patrocínio, Campos Salles e outros saudaram o início de uma nova era para o Brasil. Os então considerados atrasados e estagnados, monarquistas convictos logo passaram a integrar ministérios e as bancadas legislativas republicanas após o golpe militar de Deodoro da Fonseca.

O advento da república não contou com apoio popular, nem teve participação das classes subalternas. Ao contrário, as elites militares e civis, atuaram fortemente para tomar o controle do poder.

Republicanos históricos ficaram atordoados com a indiferença das pessoas na instalação do novo regime. No Diário Popular de 18 de novembro de 1889, Aristides Lobo, escrevia que o povo não foi o protagonista dos acontecimentos, mas sim, meros espectadores que julgavam assistir a uma parada militar.

Entre os civis, os defensores do novo regime eram os ligados a cafeicultura paulista. Parte era integrada por advogados, médicos, engenheiros, que surgiram do iniciado processo de industrialização. Junto a eles, intelectuais, defendiam os novos princípios, agarrando-se ao liberalismo, ao positivismo, ou aos princípios herdados da Revolução Francesa.

A corrente militar era composta por altos e médios oficiais, especialmente do exército. Simpatizantes do positivismo, consideravam-se os precursores da modernidade, e poderiam intervir na "coisa pública" sempre que fosse conveniente. O fato de os dois primeiros presidentes terem sido militares, confirmou a influência dos militares na política. Neste ano eram intensos os movimentos em quartéis, regimentos, fortalezas, na escola militar no Rio de Janeiro. Durante o governo de Floriano Peixoto ( 1891 - 1894 ), a influência militar foi dominante.

A república não ampliou a participação popular na política. Assim como fora no império, a participação popular era praticamente nula. Partidos e agremiações, eram formados por uma minoria. O direito ao voto era excluído aos pobres, aos mendigos, as mulheres, aos menores, os militares que não fossem oficiais e aos membros de ordens religiosas. Exigia-se para o exercício da cidadania, qualidades que somente as elites possuíam, enquanto se impedia que a população comum conseguisse cumprir essas exigências. A educação básica era negada a maioria esmagadora. A república nascia antidemocrática.

A participação da elite na luta pelo poder foi intensa. Deodoro da Fonseca enfrentou oposição de ministros e parlamentares, chegando a fechar o congresso em 3 de novembro de 1891. Ele mesmo renunciaria em 23 de novembro, entregando o cargo a Floriano Peixoto.

O "Marechal de Ferro", governou em meio a tentativas de golpe, rebeliões militares, motins de rua, e conflitos civis no sul do país. Usava a espada como objeto de controle sobre adversários radicais. Mesmo desejando perpetuar-se no poder, suas ações permitiram que em novembro de 1894, assumisse o primeiro presidente civil, Prudente de Morais, representando os interesses dos cafeicultores paulistas.

A fragilidade política era agravada pelos problemas econômicos da época, sendo que a produção cafeeira era a única que não foi atingida profundamente. No início da década de 1890, o café era o responsável por 61,5% das exportações, o açúcar por 9,9%, a borracha 8%, o algodão 4,2% e couros e peles 3,2%. O desequilíbrio entre o sudeste cafeeiro e o resto do país, agravava os problemas inter-regionais.

O centro-sul, era igualmente privilegiado pelos investimentos do governo. A construção de estradas de ferro, aproveitamento de vias pluviais, instalação de rede de telégrafos e outras medidas, ampliaram as dívidas com bancos e nações estrangeiras.

Em 1883, o valor dos empréstimos contraídos no exterior era de 4.599.600 libras, e seis anos depois, chegou a 19.837.000 libras. Em 1898, representantes brasileiros tivera de negociar na Inglaterra um empréstimo de salvação, concedido sob condições estritas por parte dos financiadores. Era o "funding loan" parecidos com os do atual FMI.

A política de Rui Barbosa, o primeiro ministro da fazenda, agravou a situação. Ele autorizou a impressão desenfreada de papel-moeda, causando especulações e negociatas na compra de títulos e ações. Foi o famoso Encilhamento.

Isso causou o aumento do custo de vida. De 1888 a 1890, os gêneros de primeira necessidade aumentaram 62% e entre 1891 e 1894, 118%.

No Sudeste e no Sul, porém, as cidades cresciam lentamente. Beneficiadas pelas industrias que nasciam, e a entrada de capital estrangeiro, estas regiões testemunharam o enriquecimento de grupos que controlavam bancos e o comércio. No Rio de Janeiro e em São Paulo, emergiram grupos sociais, identificados com o progresso das cidades europeias.

Os bairros nobres se modernizavam nas cidades. Sobrados neoclássicos da época imperial, foram substituídos pelos palacetes e chalés, com jardins ao estilo europeu.

Em 24 de janeiro de 1890, Campos Salles ( ministro da justiça ) assinou um decreto que estabelecia a obrigatoriedade do casamento civil, a secularização dos cemitérios e a separação entre igreja e estado. Os religiosos manifestaram sua insatisfação. Em 26 de julho, o ministro afirmou que o não cumprimento da promulgação seria considerada crime. O casamento civil deveria ser realizado antes do religioso, e o padre que não observasse essa determinação poderia inclusive ser preso.

Essas medidas tentavam criar uma base de legitimidade ao governo. Baseados nos princípios liberais e positivistas, retiravam da igreja e passavam ao estado, responsabilidades e poderes antes monopolizados por ela.

Outro decreto de 7 de janeiro de 1890, criou o registro civil. Anteriormente, os registros eram feitos nas paróquias quando do batismo. Depois da medida só era válido o registro civil obrigatório em cartórios. Quanto aos cemitérios, deveriam ser administrados pelas autoridades municipais.

Na Bahia, o governo federal nomeou Manoel Vitorino para governar o estado, após reações contra a instalação da república. O deputado federal César Zama se destacou pelos protestos e a oposição dos políticos locais a essa determinação.

No ano seguinte, Manoel Vitorino pediu demissão e o general Hermes da Fonseca assumiu. Este último envolvido em nepotismo e empreguismo renunciou ao cargo. César Zama diria: "Na Bahia, como no Rio de Janeiro, a república foi obra de uma parte da guarnição".

No estado, o poder foi dividido entre a oligarquia tradicional. Com seus redutos eleitorais, a elite fundiária passou a controlar o governo. José Gonçalves, aliado do "barão de Jeremoabo" ( influente latifundiário ), governou o estado de forma intermitente. Ora aliado, ora adversário de Luís Viana, aristocrata eleito governador em 1896.

O controle do poder local era, porém, sempre instável, dificultando a implantação de um projeto político estabelecido pelas elites. Era o reflexo das dificuldades econômicas vividas que contrastavam com a do Sul e do Sudeste.

A economia do estado estava em decadência estrutural, com o cacau e o açúcar não alcançando receitas significativas. Em 1897, a Bahia representava apenas 5% da exportação nacional. Para agravar a situação, a crise cafeicultora de 1896, interrompeu a imigração dos sem-terra para o Sudeste. As secas agravavam o empobrecimento e a marginalização de grupos das comunidades agrícolas do interior.

A abolição da escravatura foi saudada por Antônio Conselheiro, porém a república o desgostou profundamente. Ele aprendera a respeitar e reverenciar o império e o imperador que seria o representante de Deus na terra e defensor da religião entre os homens. A laicidade, o reconhecimento do casamento civil, a separação entre a igreja e o estado, a nacionalização dos cemitérios e o reconhecimento dos direitos religiosos de protestantes e judeus, odiados pelo clero católico, magoaram-lhe profundamente.

Antes de se acomodar a república, a alta hierarquia católica combatera a separação entre igreja e estado.

As posição do pregador sertanejo colocava em evidência as mudanças realizadas pelo governo. A república não oferecia aos sertanejos, nem a população em geral, melhores condições de vida. Ao contrário, o acúmulo de obrigações e impostos aumentava o empobrecimento. Nos anos seguintes a mudança de governo, a população pobre viu suas condições de vida piorarem e as populações rurais culpavam a república pelos problemas.

Para Antônio Conselheiro as dificuldades eram causadas pela separação entre as coisas públicas e as coisas de Deus. A monarquia representava Deus na terra, a república era então, o governo do cão ( ou demônio ).

Na Bahia a renda das exportações caia sem parar. As elites aumentaram os impostos diretos ao povo, criando taxas e acumulando as existentes. Crescia a pressão sobre os municípios e esses pressionavam a população.

A autonomia municipal da Constituição de 1891, dava as elites o poder de explorar com mais tributos a população. para o historiador Marco Antônio Villa, a república passou a ser sinônimo de miséria, imposto, fome, e morte na mente da massa rural.

A receita baiana caiu de forma significativa com as taxas sobre as exportações, e a pressão fiscal sobre a população cresceu consideravelmente. Como a população rural praticava uma economia basicamente natural e escassamente monetária, a inflação era uma coisa inexplicável, e era considerado um fenômeno maligno.

Antônio Conselheiro iria se pronunciar contra a república em suas prédicas desde 1889. A perseguição contra ele aumentou quando o clero, por ordens superiores, cessaram a oposição ao novo regime, reconhecendo sua legitimidade.

Ele era inquirido, e pronunciava sobre o caráter da nova ordem, e sobre os novos impostos, falando sobre as coisas de Deus e das coisas de "César".

Nas feiras da região, eram cobradas para se vender e comprar. Certa vez, os fiscais cobraram cem réis de uma sertaneja para que pudesse expor uma esteira que não superaria o valor de 80 réis. Ao entardecer, o pregador denunciou a situação.

Este tipo de discurso era bem acolhido pela população cabocla. Suspeita-se que ao menos três batidas policiais foram enviadas contra o pregador, sem maiores resultados. As elites baianas compreendiam que resolver as dificuldades financeiras explorando o povo, causava antipatia ao novo regime.

No interior da Bahia, os editais de cobrança eram afixados em painéis, nas praças das aglomerações. Em 1893, em Bom Conselho, os conselheiristas queimaram as tábuas e os editais em uma fogueira. O mesmo ocorreu em outras localidades.

O ato rebelde simbolizava a insatisfação popular contra a nova ordem e os novos impostos. Os discursos do pregador parecem ter iniciado um movimento bem mais amplo do que se acredita. Em diversos municípios o pagamento das taxas foi interrompido. A pregação do conselheiro refletia a vontade do povo ( a isenção de impostos ), porém, não se tem noção da extensão geográfica desse movimento de desobediência civil.

Com a destruição dos editais, Antônio Conselheiro transgredia pela primeira vez a ordem civil. Mesmo se os conselheiristas não reconhecessem a nova ordem, cometeram um delito punível pela lei: destruir um bem público e incentivar a desobediência às autoridades constituídas. Consciente do ato , o líder abandonou Bom Conselho. O juiz de direito da comarca, Arlindo Leoni, requereu ao governador tropas para conter o agitador.

O governador baiano Rodrigues Lima expediu da cidade de Salvador, 35 praças armados sob o comando do tenente Virgílio de Almeida, para prenderem Antônio Conselheiro e desbaratar seu bando, e colocar fim a desobediência às imposições governamentais.

Em Masseté, se deu o encontro entre as tropas rebeldes e a polícia. Todos acreditavam em uma vitória rápida sobre um séquito de beatos, velhas, crianças e penitentes. Não haveria mais de 200 seguidores do pregador.

A história do primeiro confronto não possui muitas informações. O certo é que na noite de 26 de maio de 1893, o destacamento foi vencido pelos conselheiristas, estando estes armados de bacamartes, porretes, facões e armas de ocasião.

Ainda que a disposição bélica da tropa fosse pequena, já que era provavelmente formada por homens com soldo atrasado e arrolados a força, ela estava regularmente treinada e armada. A vitória não se deu apenas por fervor místico dos combatentes, pois não era comum beatos vencerem forças policiais.

Já assinalamos que após a formação do arraial de Belo Monte, Antônio Conselheiro formou a Guarda Católica, composta por seguidores bem armados. Ela foi a espinha dorsal da resistência conselheirista durante o prolongado cerco militar. É provável que ao menos o núcleo central da organização já estivesse constituída depois da prisão do conselheiro, certamente após 1886.

Quando a derrota foi noticiada em Salvador, o governador Rodrigues Lima solicitou ao presidente Floriano Peixoto, ajuda federal para combater os rebeldes.uma nova expedição de 80 soldados da guarnição de linha segui até Serrinha. Em uma reunião, as autoridades acharam mais prudente interromper o ataque. A decisão pode ter sido tomada baseada na insatisfação do povo do sertão com o novo estado das coisas.

Os conselheiristas venciam sua primeira batalha contra o governo "do Cão". O sertão abria-se, livre, imenso, diante do conselheiro e sua gente. podiam procurar um lugar para viver, com seu trabalho e sua orações. Para isso, se deslocaram tempos depois para uma área praticamente abandonada, a Fazenda Velha. No local havia o pequeno povoado de Canudos. Ali, o líder religioso fundou o arraial de Belo Monte. Um nome que registrava esperança e a alegria de viver dessa gente que conhecera, até então, apenas sofrimento e tristeza.
Este artigo tem como base bibliográfica a obra Belo Monte uma História da Guerra de Canudos, de José Rivair Macedo e Mário Maestri, da Editora Moderna que faz parte da Coleção Polêmica.


PODE SER LIDA TAMBÉM EM:
http://linguapretaorkut.blogspot.com/

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Série Histórica - Guerra de Canudos Parte 2: De Conselheiro à Santo

Em 20 anos de andanças, Antônio Conselheiro desenvolveu uma obra religiosa com grande apelo político e social. Ele era temido, e combatido pelas autoridades religiosas e civis na mesma proporção em que era cortejado e protegido.

Ganhou os nomes de Santo Antônio dos Mares, Santo Antônio Aparecido, Bom Jesus Conselheiro, Bom Jesus, Santo Conselheiro, porém o povo denominou sobretudo, Antônio Conselheiro.

Em 1874, o cônego Agripino da Silva Borges cedeu uma casa à Antônio e seus fiéis. Porém, o chefe de polícia Boaventura da Silva Caldas, pediu à capital, forças policiais e expulsaram Antônio. Sem reagir violentamente, Antônio partiu para o Sergipe. Foi a primeira de uma série de perseguições que ele sofreu por parte das autoridades.

A fama e a autoridade de Antônio Conselheiro cresceram rapidamente. A publicação carioca Folhinha Laemert alertou que ele tinha "grande influência no espírito das classes populares".

Ele sempre aparecia com cabelos e barbas compridos, vestindo camisolão de brim azul sem cintura, chapéu de abas largas e sandálias. Muito parecido com o monge italiano João Maria. Seu comer era frugal, dormia ou em chão duro ou alguma taboa. Vivia de esmolas.

Seus seguidores levavam, um oratório de cedro que encerrava a imagem de Cristo. Ele carregava dois livros: A Missão abreviada e Horas Marianas.

Desde 1876, a região de Itapicuru de Cima na Bahia foi uma espécie de quartel general. Foi ali que mais tarde ele fundaria Bom Jesus. Nessa época ele atuava nas regiões entre o rio São Francisco e Itaicuru. No centro dessa região se encontrava o arraial de Canudos.

No mesmo ano de 1876, a pedido do vigário dom Luís D'amour, a polícia prendeu Antônio Conselheiro acusado de assassinato. Diogo Antônio Bahia, alferes, acompanhado de 15 soldados foi o responsável pela sua captura. Mesmo em grande número, seus seguidores não reagiram.

Dois seguidores dele foram presos: José Manoel que foi arrolado à força ao exército e Estevão, este acusado de ser um escravo fugido. O fato de um escravo fugitivo encontrar abrigo entre os seguidores de Antônio Conselheiro gerou preocupação entre os grande proprietários.

No caminho para Salvador, ele foi espancado pelos policiais. Quando pressionado pelas autoridades para delatar os agressores, apenas disse: "mais que eu sofreu o Cristo". Foi enviado para Fortaleza no Ceará.

O vigário de Itapicuru pediu as autoridades que não fosse permitida a volta de Antônio Conselheiro à Bahia. Pedido reforçado pelo secretário de polícia da Bahia. A perseguição aos líderes religiosos populares na época parecia habitual.

Ainda em junho de 1876, ele foi enviado para Quixeramobim, onde foi libertado.

A popularidade do conselheiro acabou  gerando uma série de especulações sobre sua vida pessoal. Criaram a história de que ele havia sido autor de um duplo homicídio cujas vítimas teriam sido sua mãe e sua esposa. Porém sua mãe havia morrido em 1834, sendo ele ainda criança.

Em liberdade, Conselheiro voltou para o meio de seus fiéis.

Entre 1877 e 1887, Conselheiro passou por diversas povoações sertanejas, como Alagoinhas, Inhambupe, Bom Conselho, Jeremoabo, Cumbe, Mucambo, Massacará, Pombal, Monte Santo, Tucano e outras. Consertava igrejas e cemitérios, construía açudes, etc.

Nesses anos, seu renome já era grande, e era recebido com euforia nos povoados. Impressionava a plateia, porém pessoas instruídas o chamavam "charlatão".

Era duramente criticado por membros da elite, mas entre o povo, gozava de simpatia e despertava a sanha dos miseráveis.

Em 1888, seu nome já fazia parte da tradição oral.

Em Chorrochó, nas margens de um afluente do Rio São Francisco, Conselheiro descansava à sombra de uma árvore na entrada da vila. Ali se tornou um verdadeiro local de culto.

Os materiais de construção de que utilizavam seus fiéis para consertar igrejas e cemitérios e construir os açudes, eram doados e eles não cobravam pelos serviços. Seus seguidores eram alimentados com esmolas por comerciantes e grandes proprietários que o faziam para manter longe de suas terras os beatos.

Até hoje a Capela de Senhor do Bonfim, terminada em 1885, se mantém de pé.

Párocos desejosos de ver suas igrejas reformadas, convidavam Conselheiro para feiras locais e lhe cediam o púlpito. Isso reforçava seu perfil de pregador semi-oficial da igreja.

Seus seguidores eram batizados, casavam, confessavam e comungavam. essa era a principal fonte de renda de muitos dos vigários do interior.

Em 1888, um oficial da polícia baiana encontrou Conselheiro em Monte Santo, e segundo ele, os vigários o deixavam pregar, promover batizados, casamentos, novenas e tudo o mais que gera dinheiro as igrejas.

A relação entre Conselheiro e a igreja, porém, foi negada e esquecida quando ele e seus seguidores passaram a ser atacados pela hierarquia religiosa, e principalmente quando foram atacados militarmente.

Em fevereiro de 1882, 6 anos antes deste relato do oficial baiano, o arcebispo da Bahia enviou uma circular aos subordinados proibindo as pregações de Conselheiro nas diversas freguesias. Ele lembrava que a missão de doutrinar o povo não cabia a um homem comum, por mais instruído e virtuoso que fosse.

Até o final do século XIX, a autoridade religiosa católica de última instância cabia aos monarcas. Era um direito concedido aos reis de Portugal pelos Papas. Em virtude disso, Roma não podia intervir diretamente sobre os párocos.

Essa situação ajuda na compreensão da falta de assistência religiosas nas comunidades rurais e a dificuldade da igreja interferir nas formas religiosas populares. O catolicismo que existia era um sincretismo entre o catolicismo português e as tradições indígenas e africanas que se adaptava as duras condições de existência material e espiritual das camadas mais pobres.

O Papa Pio IX, iniciou uma campanha de reconquista do poder religioso da Igreja em relação aos estados nacionais, na segunda metade do século XIX. Tentando estabelecer laços de hierarquia entre Roma e as autoridades católicas nacionais. Era a "romanização do clero". Neste contexto político-religioso, surgiu a hostilidade da Igreja com Antônio Conselheiro.

Estas mudanças afetaram o relacionamento entre padres e paroquianos sertanejos do Nordeste. A Igreja colocava padres paulistas, mineiros ou estrangeiros na liderança das dioceses. Estes, estranhos aos costumes culturais e sociais dos sertões.

As escolas e seminários passaram a formar o clero, com base nas determinações diretas de Roma. O arcebispo da Bahia, dom Luís dos Santos, encontrou forte resistência de padres dentro de suas comunidades.

Pregadores e místicos leigos, mesmo proibidos de atuar pelo clero, continuaram a agir, inclusive com apoio de padres, no sertão baiano.

Conselheiro foi acusado pelo arcebispo da Bahia de pregar ao povo "doutrinas supersticiosas e uma moral excessivamente rígida". O semanário O Rabudo, fez a mesma acusação. Em 1985, pouco antes da Guerra de Canudos, o capuchinho João Evangelista de Monte Marciano denunciou ainda o ascetismo extremado dos seguidores de Conselheiro. Nina Rodrigues também alertou para as tendências "comunistas" desses seguidores.

As elites não permitem que a miséria popular se torne virtude religiosa. Quando isso acontece, a pobreza antes vista como inferioridade, torna-se uma condição para a Salvação. Se a pobreza apresenta-se como qualidade moral, a riqueza e o luxo das elites tornam-se símbolos de decadência e corrupção moral.

As instruções dadas por dom Luís dos Santos, eram para tentar coibir os "abusos" permitidos pelo próprio clero, mas suas determinações alcançaram resultados parciais. O arcebispo não conhecia as dificuldades vividas por dezenas de párocos do interior da Bahia. Porém, mesmo assim, a relação do pregador com o clero foi minada. Da conivência, da colaboração e omissão, passou-se a perseguição.

Em novembro de 1886, o chefe de polícia de Itapicuru de Cima, comunicou ao chefe de polícia da Bahia que conselheiro estava construindo ali uma capela. ele alegava que estavam com o pregador homens armados e que este reunia até mil pessoas para rezas e sermões. Informava ainda que o vigário de Inhambupe estava em conflito aberto com os conselheiristas.

Conselheiro continuava a ter sucesso nas práticas religiosas permitidas aos laicos pelo direito canônico. esta carta nada de novo apresentava a não ser a declaração do delegado de que os seguidores se armavam não só da "Palavra Sagrada", mas também de cacetetes, facas, facões e pequenas carabinas.

Os historiadores da Guerra de Canudos, pouca importância dedicaram à organização dos seguidores do pregador antes da formação do arraial de Belo Monte. O missionário e andarilho fundara um pequeno povoado. Abelardo Montenegro ( biografo ), afirma que ele transformou uma fazenda em povoado:

"Antônio construía, em 1886,
a capela de Bom Jesus,
onde trabalhavam às expensas do povo muitos homens,
inclusive cearenses,
nos quais depositava a mais cega confiança.
O cearense Feitosa chefiava os operários.
O arraial constituía uma praça de armas."

Como sabemos, Conselheiro era natural do Ceará. Segundo Nina Rodrigues, após diversos problemas com a polícia, Conselheiro teria deixado a vila de Bom Jesus para internar-se nos sertões e fundar o arraial de Belo Monte. Esta pequena comunidade com igreja, beatos e homens armados pode ter sido um ensaio para a futura Belo Monte.

Foi em 1886, que o delegado de Itapicuru oficiava que os seguidores do pregador andavam fortemente armados. Ele com certeza não se referia a todos os seguidores, mas a um grupo pequeno e seleto. Dez anos mais tarde, os acontecimentos comprovariam a capacidade dos fiéis de responderem aos atentados policiais contra o grupo.

Não existem informações precisas sobre a organização do núcleo de seguidores permanentes nem do arraial do Bom Jesus ( atual Crisópolis ). Não é impossível que Conselheiro tenha organizado grupos de apoio religioso e militar desde essa época, como existiram depois em Belo Monte.

A Companhia do Bom Jesus, era um grupo que prestava assistência espiritual à comunidade. E a Guarda Católica era um grupo de combatentes escolhidos e devotados, que defendia o reduto.

Sua influência foi vista em outros tantos personagens da época. Em Pernambuco, o Conselheiro Guedes, vestido como carmelita, percorria lugares afastados do interior, benzendo e pregando. Na Bahia, Conselheiro Francisco Maria de Jesus, ajudou a construir uma igreja em Cumbe, próximo ao arraial de Canudos.

Por volta de 1885, Conselheiro não era uma figura exótica, mas sim, um representante de destaque de uma comunidade religiosa laica que existia na região e no país. Junto com ele, e certamente influenciado por ele, outros "conselheiros" vagaram pelas zonas rurais da Bahia e pelas proximidades. Um deles, Luís Ribeiro da Silva, tinha sido beato de Conselheiro e resolveu criar seu próprio grupo de penitentes.

Em meados de 1887, um novo ofício do arcebispo da Bahia, denunciava a pregação de Conselheiro e suas "doutrinas subversivas" contra a Igreja e o Estado. O presidente da província pediu a internação do pregador no hospício D.Pedro II, no Rio de Janeiro, ao ministro do Império.

Conselheiro não havia cometido nenhum crime, ou desobedecido nenhuma lei eclesiástica. Mas isso não impediu o questionamento de sua faculdades mentais. Porém, o pedido eclesiástico não prosperou. O ministro alegou não haver vagas no hospício. O presidente da província informou ao arcebispo esta informação, como uma recusa educada ao pedido. Caso houvesse vontade política, com certeza se arrumaria um lugar para o Conselheiro no hospital.

Não se sabe os motivos concretos da recusa do presidente da província de internar Conselheiro. Na época ele já contava com simpatizantes e protetores na capital. É possível que as autoridades temessem a reação dos seguidores do pregador. Era de conhecimento das autoridades que um grupo armado seguia Conselheiro pelos sertões.
Este artigo tem como base bibliográfica a obra Belo Monte uma História da Guerra de Canudos, de José Rivair Macedo e Mário Maestri, da Editora Moderna que faz parte da Coleção Polêmica.

PODE SER LIDA TAMBÉM EM:
http://linguapretaorkut.blogspot.com/

Série Histórica - Guerra de Canudos Parte 1: De Antônio à Conselheiro

Antônio Vicente Mendes Maciel nasceu em Quixeramobim, na província do Ceará, em 13 de março de 1830.

Após aprender a escrever e a contar, com o amigo de seu pai, capitão Raimundo Francisco das Chagas, ele ingressou na escola particular de Manuel Ferreira Nobre, estudando português, aritmética, geografia e rudimentos de latim e francês.

Em 1947, o Ceará e as regiões vizinhas, conheceram secas violentas, onde as plantações secavam e o gado morria. Os senhores vendiam seus escravos para o Sul, para quitar dívidas e os indígenas entregavam seus filhos como escravos em troca de alimentos. Já com 18 anos, em 1948, o jovem Antônio teria deixado de trabalhar como caixeiro na casa comercial do pai.

Em 1855, o pai de Antônio morreu, deixando o filho responsável pelas irmãs ainda solteiras, além de negócios bastantes enredados. No ano seguinte, faleceu sua mãe com apenas 39 anos de idade e faculdades mentais adoecidas.

Com as dívidas a serem pagas, e o espólio restante tendo de ser dividido entre os filhos, Antônio ficou com pouco mais de 200 réis, para continuar o negócio da família. Mas a situação da província e a base precária para iniciar o negócio, obrigaram Antônio a hipotecar a casa e a sede do negócio do pai.

Em janeiro de 1857, Antônio se casou com Brasilina Laurentina de Lima, que era filha ilegítima, órfã e analfabeta. Meses depois, ele vendeu tudo e foi para a Fazenda do Tigre, 50 quilômetros da vila natal.

Ele abriu uma escola primária onde ensinava português, aritmética e geografia. Além disso, para sobreviver, ele desempenhou funções de domador e pedreiro-construtor.

Mesmo na sociedade escravista da época, trabalhar com as mãos era socialmente degradante, e Antônio, era filho de comerciante e letrado. Portanto, ele se tornou um participante de dois universos diferentes. Um caso raro na sua época.

Antônio se mudou para Tamboril e depois Campo Grande, onde atuou como caixeiro em 1859 na casa comercial do major Domingos Carlos de Sabóia. Quando o negócio fechou, ele passou a atuar como rábula ( ou advogado provisionado ), o que confirmava sua formação intelectual.

Em 1861, já em Ipu, foi traído e abandonado pela esposa que foi viver com um suboficial da força pública.

Sozinho, mudou-se para a Fazenda de Santo Amaro, propriedade do major José Gonçalves Veras, onde voltou a lecionar. Mais tarde, na vila de Santa Quitéria, envolveu-se com Joana Imaginária, escultora de imagens de barro, e muito conhecida regionalmente.

Em 1865, Antônio viajou para Campo Grande, Crato e Paus Brancos, trabalhando como vendedor ambulante, acompanhando evangelistas missionários pela região.

O nascimento do Antônio religioso pode ter sido facilitada pela sua criação familiar e possibilitada pelas condições da época. Como no Brasil colonial sempre houve uma falta de sacerdotes, cabia a alguns homens e mulheres caridosas, desempenhar esse papel. A existência desse clero laico, era comum no interior do Nordeste e no Sul, entre caboclos, imigrantes alemães e italianos.

Não seria nada absurdo que um professor fosse encarregado de realizar essas atividades religiosas quando necessário. O fato de saber ler e escrever, colocava Antônio na condição de um mestre diante da população sertaneja analfabeta.

O Conselheiro era aquele que desempenhava o papel de pregador, e dava conselhos para os crentes entre esse clero laico. O Conselheiro era geralmente uma pessoa de influência social dentro das comunidades sertanejas, desempenhando uma liderança política e ideológica mesmo que não oficialmente.

Antônio acabou alcançando um poder político e social muito grande.

Ele conheceu ainda em seu tempo de vendedor ambulante, padre José Antônio Pereira Ibiapina, e com ele andou por algum tempo pelo sertão. O padre era considerado um homem santo pelo povo do sertão. Quando padre Ibiapina morreu em 1883, a fama de Antônio Conselheiro já se espalhava pelos sertões.

O filho de um comerciante analfabeto, sem posses, e de futuro incerto, acabou se tornando um líder religioso e líder político em Belo Monte, arraial fundado por ele.

Mas antes disso em 1869, quando morou em Várzea de Pedra, acabou adquirindo uma dívida que não pode quitar, e condenado teve seus bens leiloados em outubro de 1871.

Dois anos depois, 1873 ele reapareceu em Assaré ( Ceará ), já como beato. Ali conheceu os irmãos Honório e Antônio Assunção Vila Nova que posteriormente também tiveram papel importante em Belo Monte.

No ano seguinte, 1874, ele andou pelo Sergipe e pela Bahia, onde pregava e aumentava seu número de fiéis. Nessa época ficou conhecido como Santo Antônio dos Mares.

Em 22 de novembro de 1874, O Rabudo, um semanário sergipano publicou:

"A bom seis meses que por todo o centro desta e da província da Bahia,
chegado do Ceará, infesta um aventureiro santarrão
que se apelida por Antônio dos Mares, o que,
a vista dos aparentes e mentirosos milagres que dizem ter ele feito,
tem dado lugar a que o povo o trate por Santo Antônio dos Mares"
Este artigo tem como base bibliográfica a obra Belo Monte uma História da Guerra de Canudos, de José Rivair Macedo e Mário Maestri, da Editora Moderna que faz parte da Coleção Polêmica.

PODE SER LIDA TAMBÉM EM:
http://linguapretaorkut.blogspot.com/